Entrevista com Ilci Miranda Aulicino , especialista em psicomotricidade
Ilci Miranda Aulicino é educadora física e psicomotrista especializada na primeira infância. Há 25 anos, trabalha para o desenvolvimento global dos bebês através da ciência da psicomotricidade. Somos muito honradas por tê-la conosco em nosso baby.Living, um projeto da be.Living inteiramente dedicado aos bebês. Ilci conduz, com toda a sua competência e carinho, a oficina “Vivência do Movimento”. Conversamos com ela para ouvir um pouco mais sobre a importância desse tipo de experiência para o melhor desenvolvimento das crianças:
b.L: O que é a Vivência do Movimento e como ela acontece na prática?
Ilci: As nossas vivências são realizadas através de atividades lúdicas que visam o desenvolvimento integral dos bebês. Acontece em um ambiente de brincadeira com materiais como bolas, espumas, rolos, para que possamos trabalhar a criança na sua integralidade, através de seu corpo. São atividades pensadas e preparadas para que a criança seja estimulada a interagir com o ambiente, com as pessoas e com os objetos, de forma a otimizar as habilidades que são esperadas dela, dentro de sua faixa etária.
b.L: Para cada idade do bebê se faz um trabalho específico?
Ilci: Sim. Nós, seres humanos, temos um desenvolvimento que acontece da seguinte forma: para o desenvolvimento de uma fase seguinte é preciso ter recebido o estímulo da fase anterior. Há objetivos específicos para cada etapa da vida do bebê: de 0 a 6 meses, de 6 a 12 meses, de 12 a 18 meses. Na Vivência de Movimento, propiciamos aos bebês, através de seus corpos, os estímulos das habilidades que são necessárias para o bom desenvolvimento deles, sempre considerando um desenvolvimento integral e global dentro de sua faixa etária.
b.L: Qual a importância de se iniciar um trabalho como esse ainda bebê?
Ilci: O José Saramago tem uma frase muito interessante em que ele diz: “O homem que eu sou é a criança que fui”. E isso é muito real. Cada vez mais, principalmente por conta da tecnologia, sabe-se sobre a importância da primeira infância, que é o período que vai do nascimento aos 6 anos de idade. Essa faixa etária é uma etapa fundamental para o estabelecimento de diversas habilidades. Tanto que esses primeiros anos são chamados de “o intervalo de ouro da criança”. Na prática, isso quer dizer que com os estímulos adequados, nessa faixa inicial da infância – principalmente dos 0 aos 2 anos, que é a fase mais importante do desenvolvimento de plasticidade neurológica – você pode determinar positivamente muitos aspectos do desenvolvimento da criança e do futuro adulto que ela será. Todas essas experiências vão impactar na aprendizagem, no comportamento, no desenvolvimento de habilidades. É por isso que falamos que não podemos perder essas janelas de oportunidade. Nos primeiros anos de vida, o cérebro do bebê tem uma quantidade tão grande de neuroplasticidades, de novas conexões neurais, as chamadas sinapses, que ocorrem intensamente de zero a 2 anos, depois de 2 a 3, e daí para a frente, isso vai diminuindo. Então, é nessa faixa etária que abrimos vários caminhos dentro do nosso cérebro e tudo isso vai ajudar o nosso desenvolvimento futuro. Por isso, falamos sobre a importância de 0 a 3 anos de idade. Recomendo a leitura de um livro chamado “Mil primeiros dias da criança”, que trata da importância dessa faixa etária para o desenvolvimento da criança, do adolescente e , posteriormente, do adulto.
b.L: De que forma a experiência no baby.Living pode impactar o desenvolvimento da criança?
Ilci: Com toda essa abertura de neuroplasticidade para aprender, os bebês absorvem o mundo e as experiências que têm no mundo de uma outra maneira. O baby.Living oferece a possibilidade de eles vivenciarem emoções, sensações, controles motores, conhecimento, convivência – experiências que uma criança que fica sozinha em casa ou somente na companhia de um adulto não terá ou terá de forma limitada. O baby.Living traz esse olhar especial para o bebê, abrindo a possibilidade de otimizar essas habilidades de exploração corporal que, muitas vezes, não conseguimos, como família, estimular sozinhos, por não termos um espaço adequado ou por não termos o conhecimento. Daí, acabamos limitando esse desenvolvimento neurológico do bebê. Essa fase primeira fase é chamada de desenvolvimento dos alicerces dos psicomotores. É a partir do que for desenvolvido nesses dois ou três primeiros anos de vida, que será feito um alicerce sólido que possibilitará desenvolver habilidades mais refinadas, para entrar no que chamamos de um ser bastante inteligente. Ressaltando que inteligência não é só ir bem na escola. A inteligência se manifesta também em uma criança equilibrada, com habilidades motoras, socioemocionais e de linguagem, todas elas bem elaboradas.
b.L: Nas vivências, o bebê está sempre acompanhado de um adulto com quem tem vínculo afetivo. Qual é o papel do adulto nesse trabalho?
Ilci: Nas nossas vivências, o adulto é o mediador daquilo que o bebê está desenvolvendo. Ele está lá sendo um apoio. É um apoio, sobretudo emocional, porque ele é o adulto no qual o bebê confia, com quem convive, com quem tem vínculo afetivo e de confiança para se sentir seguro num novo ambiente. Esse adulto pode ser a mãe, o pai, a avó ou a babá – que é uma profissional tão importante no contexto atual em que pais e mães trabalham. É muito importante para o bebê que essa pessoa esteja lá, dando segurança para que ele possa se desenvolver. O baby.Living é um momento muito íntimo e especial entre o bebê e o adulto de sua confiança. Existe uma troca muito específica, é um momento em que o adulto que está lá junto com a criança, só está lá pela criança e para a criança. Não existe nenhum outro tipo de influência externa que tire a atenção do adulto com relação à criança. E isso, a criança sente. Ela sente que naquele momento, os dois estão juntos aproveitando porque na verdade, a vivência é uma grande brincadeira. São atividades que envolvem músicas, movimentos corporais, troca de olhares, toque, abraço, elogio, acolhimento quando vem uma experiência desagradável – porque as experiências desagradáveis também fazem parte da formação desse ser humano. Quando o bebê cai e chora, ele é acolhido pelo pai, ou pela mãe, ou pela babá, e isso traz um entendimento emocional de que ele será acolhido, de que ele está sendo cuidado. O baby.living é uma possibilidade de um estreitamento do vínculo afetivo e o vínculo afetivo tem que ser estabelecido na infância, porque os dois primeiros mecanismos de que a gente tem de entendimento de mundo dentro do nosso desenvolvimento é a sensação e depois a percepção. Então, é pele, é olhar, é cuidar, é tocar. Acredito que um trabalho como o baby.Living é uma grande oportunidade de criarmos adultos mais equilibrados, mais humanos, mais empáticos e muito mais sábios.