Entendemos que a representatividade feminina na educação vai muito além do Dia Internacional da Mulher. Essa reflexão permeia nosso Projeto Político Pedagógico , bem como os currículos escolares, e se desdobra em práticas concretas e diárias, ao longo de todo o ano. Afinal, a valorização da presença e da contribuição das mulheres na sociedade – especialmente na educação, não pode ser restrita a uma data comemorativa, mas deve estar sempre presente na formação das crianças.
“Ter datas para valorizar a representatividade ou homenagear as minorias é uma forma de não deixar questões tão fundamentais caírem no esquecimento. É contraditório termos uma data específica para ser o Dia das Mulheres ou o Dia da Consciência Negra, por exemplo, considerando que esses temas deveriam estar sempre em evidência. Ao mesmo tempo, toda ação que valoriza e estimula a representatividade é importante, porque vivemos em uma sociedade que ainda tem um olhar bastante enviesado para estes grupos. Ainda há uma discrepância muito grande entre gêneros e raças”, afirma Gabriela Fernandes, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental.
Por isso, a be.Living compreende que essas datas servem como momentos de conscientização, mas que o compromisso da escola com a equidade de gênero e a representatividade feminina vai muito além. “O currículo não se reduz a essas datas. O trabalho com a representatividade feminina e a presença da mulher nas diferentes áreas da vida, principalmente na ciência, na construção, aquisição e produção de conhecimento, está sempre presente no currículo”, explica Gabriela.
Desde os primeiros anos da vida escolar, as crianças são incentivadas a conhecer mulheres que marcaram a história. No Year 1, por exemplo, este processo se inicia com o livro Pilar na África e a história de Aqualtune – uma das lideranças pioneiras de Palmares, como um elemento de representatividade feminina e negra dentro de um projeto. As crianças também estudam figuras como Rosa Parks, Ruby Bridges e Malala, refletindo sobre trajetórias de vida que desafiaram estruturas sociais e promoveram transformações.

A professora Flávia Belletati, do Year 5, busca trazer figuras femininas como referência para as estudantes e os estudantes, especialmente no campo das ciências sociais. “No primeiro semestre, trabalhamos com o gênero memória e com histórias de mulheres que tiveram um papel fundamental nos movimentos sociais dos Estados Unidos. Um dos exemplos é Helen Keller – escritora e ativista norte-americana, que foi a primeira pessoa surdocega da história a conquistar um bacharelado. Uma mulher que, com acesso à educação, conseguiu se tornar uma referência na luta por inclusão e publicou diversos livros sobre sua trajetória.”
Além dela, as crianças do quinto ano são apresentadas à história de Rosa Parks, a “mãe dos direitos civis”, e de Ruby Bridges, uma das primeiras meninas negras a estudar em uma escola até então exclusiva para brancos nos EUA. “Essas histórias ajudam as crianças a compreender que elas fazem parte de um todo e que suas ações também podem ter impacto, seja na própria vida, seja na sociedade”, afirma Flávia.


No currículo do Year 5, a professora Letícia Araújo também busca reforçar a presença de mulheres, em especial as cientistas e de diferentes nacionalidades. “Temos uma sequência de exposição oral, em que as estudantes e os estudantes apresentam trabalhos, e usamos bastante a plataforma TED. Nessa seleção, buscamos priorizar mulheres e, sempre que possível, mulheres não brancas. Recentemente, trabalhamos a palestra de uma tailandesa incrível que fala sobre cidades e meio ambiente, a arquiteta de paisagens urbanas Kotchakorn Voraakhom, que desenvolve espaços públicos verdes para enfrentar as mudanças climáticas.”
Letícia propõe atividades inspiradas em campanhas da ONU Mulheres como “Can You Find Her?” – em português, “Você Consegue Encontrá-la”, que destaca a baixa participação feminina em áreas como ciência, política e tecnologia. “A ideia é observar imagens de ambientes de trabalho e tentar identificar onde está a única mulher presente naquele espaço. Este tipo de proposta gera discussões importantes sobre desigualdade e representatividade.”
A professora de música do Ensino Fundamental, Amanda Ribeiro, afirma que o reconhecimento das mulheres nesta área de conhecimento é um desafio histórico. “Na música sempre houve uma predominância masculina entre instrumentistas, compositores e músicos de modo geral. Historicamente, a mulher teve mais espaço no canto, enquanto os homens ocupavam os papéis de instrumentistas e compositores. Quando as mulheres começaram a se inserir no universo musical, muitas vezes eram restritas a esse lugar da interpretação vocal, sem o mesmo reconhecimento na criação e execução instrumental.”
Para ampliar essa visão, Amanda busca trazer referências femininas para o repertório musical das crianças. Um dos momentos em que isso se torna mais evidente na escola é a Festa Junina, na qual, desde 2018, a be.Living homenageia mulheres na música, especialmente mulheres negras que representam resistência e criatividade. Já foram celebradas Lia de Itamaracá, Ana Maria Carvalho, Clementina de Jesus e Mestra Joana do Maracatu. Para este ano, a escola considera homenagear Dona Ivone Lara ou Chiquinha Gonzaga.


Mas a desigualdade de gênero na música ainda é perceptível. “Quando analisamos o repertório de música popular que trabalhamos com as crianças, percebemos que a maioria das composições é majoritariamente assinada por homens. As mulheres aparecem principalmente como intérpretes – nomes como Elza Soares, Marisa Monte, Maria Bethânia e Gal Costa são referências constantes, mas quase sempre cantando músicas compostas por homens”, explica Amanda.
A coordenadora Gabi destaca que a educação sempre foi um campo majoritariamente feminino, mas nem sempre isso se traduz em valorização. “Recentemente foi publicado um dado de que mais de 1 milhão e 800 mil docentes da rede pública são mulheres. A escola sempre esteve nas mãos das mulheres, e, de certa forma, isso se relaciona até com a desvalorização da educação. A maternidade e o cuidado foram, historicamente, associados às professoras, que muitas vezes não são vistas como educadoras, mas como “tias’.”
Gabriela chama atenção para a desigualdade de gênero dentro do próprio ambiente escolar. “Se formos pensar, 78% dos professores do Brasil são mulheres, e ainda assim enfrentamos uma desigualdade de condições de trabalho em relação aos homens. As crianças estão muito acostumadas a ver as mulheres nesse papel de educadoras. No entanto, quando chegam ao Fundamental 2 e ao Ensino Médio – onde o foco passa a ser as áreas do conhecimento – os homens chegam com mais força, rcomo se eles fossem os detentores do saber, enquanto as mulheres estariam ali apenas para cuidar.”
Para transformar essa realidade, é preciso reforçar a representatividade feminina nas diversas áreas do conhecimento e garantir que essa presença seja valorizada. “No Dia Internacional da Mulher – ou no dia anterior, ou no seguinte – trazemos a data e o porquê dela existir. Mas o tema, esse precisa estar no currículo. Sem isso, não há mudança estrutural. E a gente precisa de mudança estrutural nas relações de gênero no Brasil.”
Na be.Living, essa mudança já está em curso, fortalecendo a presença feminina na educação e ampliando a visão das crianças sobre o papel das mulheres na sociedade.