Ao comer uma fruta, sentir o cheiro, o sabor, a textura e o próprio processo de mastigação. Escutar como bate o coração antes e depois de uma corrida. Identificar os diferentes sons do ambiente. Perceber quando chega a vontade de fazer xixi e de tomar água, ou quando acontece um sentimento forte dentro da gente. Assim, de maneira simples, o Mindfulness vem sendo praticado entre as crianças da be.Living desde que são pequenininhas, como uma espécie de treino para manter a percepção acordada, momento a momento, sobre o que se passa no mundo interno e ao redor.
Tudo começou em 2017, quando os professores da escola participaram de um curso de formação em Mindfulness com o objetivo de conhecer e apresentar para as crianças esta potente ferramenta que ajuda a desenvolver o autoconhecimento e traz muitos benefícios como aumento da capacidade de foco e concentração, redução de ansiedade e maior equilíbrio emocional.
Desde então, o Mindfulness passou a fazer parte do currículo do Ensino Fundamental, que passou a contar com a presença de uma professora especialista, enquanto que na Educação Infantil, ficou a critério das professoras aplicarem elas próprias os conteúdos aprendidos na formação conforme sentissem que fosse importante e possível de inseri-los no dia a dia.
Para a professora Renata Ottoniel, da Educação Infantil, a experiência da formação foi arrebatadora. “Foi muito forte para mim pois passei por uma transformação pessoal. Sempre fui muito ansiosa e acho que ser professor causa ansiedade porque trabalhamos muito com prazo, tem um calendário a ser cumprido, estamos sempre pensando seis meses para frente. Conhecer e começar a praticar mindfulness me ensinou a vivenciar o presente, a trazer tranquilidade para os meus dias e transformou também a forma como eu enxergava o dia das crianças. Comecei a me questionar: Por que tudo tem que ser sempre tão agitado? Passei a perceber quando havia hiperatividade e excesso de estímulo, quando eu estava trazendo muitas propostas no mesmo dia, quando eu estava muito agitada ou falando alto demais e o efeito que isso causava nas crianças”.
Renata sentiu muita identificação com a prática e buscou aprofundar seus estudos. “Passei a ler sobre mindfulness e sua origem, conheci autores, fiz uma conexão com autores da inteligência emocional, da psicanálise, da neurociência, com o próprio construtivismo, quis conhecer, me apropriar daquilo, vivenciar na minha vida e levar com profundidade para as crianças. Consegui fazer um paralelo entre o mindfulness para crianças da Educação Infantil e o desenvolvimento das habilidades emocionais e do autoconhecimento”.
A professora explica que na prática, com as crianças pequenas, o mindfulness é incorporado no dia a dia, de acordo com cada grupo. “Não existe um momento ‘agora vamos fazer mindfulness’. Eu já tive grupos em que as práticas aconteciam no começo do dia, ali na hora da roda para as crianças se concentrarem, tem práticas que acontecem com alimentação, na hora de comer o alimento bem devagarzinho, que é o mindful eating. Uma outra situação é de trazer consciência corporal ou de perceber o ambiente, os sons da escola, o silêncio. Estas propostas de percepção, bem rapidinhas, coisa de 3 a 5 minutos, são práticas que acontecem no decorrer do dia a dia. À medida que eles vão crescendo, aí eu trago que isso é uma prática de mindfulness, que é uma meditação, uma forma da gente parar e ficar tranquilo, entender o que o nosso corpo está querendo dizer. E daí, muitas crianças comentam que não sentiam o gosto da comida direito, que mal percebiam a vontade de fazer xixi, fome ou sede”.
Dentro da proposta da escola, que entende a criança como protagonista no processo de aprendizagem e um ser ativo dentro do ambiente social, a prática de mindfulness vem somar para o desenvolvimento da autonomia, da percepção e da própria curiosidade. “Quando a gente faz uma brincadeira de respiração e entende que tem um arzinho dentro do corpo e que um ventinho sai pelo nariz, isso pode se tornar um disparador de projetos. Na Educação Infantil, nós trabalhamos com currículo emergente, que é construir um projeto de investigação com o grupo no decorrer do ano a partir daquilo que as crianças nos trazem. Então, primeiro eles perceberam a respiração, depois a batida do coração, aí eles ficaram interessados no órgão e, por isso, nós estudamos o coração, o batimento cardíaco e fluxo sanguíneo. Com a turma de 4 a 5 anos, no ano passado, fizemos uma apresentação baseada nas emoções, na percepção que o mindfulness permite”.
A professora Renata afirma que os benefícios das práticas são claramente perceptíveis através do próprio comportamento dos pequenos. “Quando você vive o momento presente, quando você está ali, só fazendo aquilo ou somente existindo, não precisa sair correndo, fazer mil coisas ao mesmo tempo, como às vezes acontece em casa, quando criança está jogando no celular ao mesmo tempo em que está falando com a mãe, comendo e no final das contas não está fazendo nada inteiramente. Ter essa organização mental, essa organização corporal, vivendo o que está acontecendo naquele momento amplia demais a percepção das crianças à cerca de tudo. E é muito interessante como as crianças levam este conhecimento para casa. Os familiares acabam adquirindo um sino ou baixam aplicativos que fazem o som do sino, nos perguntam muito sobre os exercícios e como eles podem colaborar no dia a dia”.
Com a pandemia, o desafio está sendo adaptar o trabalho de mindfulness para as práticas remotas. “A frequência das práticas acabou diminuindo pois todos os dias no ensino presencial, fazíamos alguma coisa. Mas seguimos com o trabalho! Já fiz live de consciência corporal, de respiração, e todas as vezes antes de começar a leitura de uma história, a gente respira e se coloca no momento presente. Venho trabalhando muito com heartfulness, que é uma das práticas de mindfulness que olha para as qualidades do coração, que é falar com o sentimento e emaná-lo ao externo. Falamos sobre a natureza, a gratidão pelo momento que vivemos, pelas nossas amizades, pela nossa escola, pelas emoções que as próprias histórias nos trazem, porque ler as histórias, trazer os títulos que falam sobre sentimentos diversos, trazem reflexão para o heartfulness”.
Entre tantos benefícios e aprendizados que o Mindfulness traz para os pequeninos, Renata acredita que o maior de todos é a diminuição do sentimento de imediatismo.
“A criança está passando por um processo de construção da sua subjetividade e do seu lugar no mundo. Quando a gente pratica mindfulness com a criança, a gente traz a consciência dela para si, para o momento e para o espaço. Os impactos são muito positivos não somente com relação aos ganhos de aprendizagem. Coisas aparentemente muito simples como esperar o seu amigo pegar o suco primeiro sem que você fique tão afobado para pegar o seu suco são muito significativas. Você não precisa ser o primeiro a escovar os dentes, você pode sentar, pegar um livro e esperar com tranquilidade porque em algum momento você vai escovar os dentes, você sempre escova, tem sido assim sempre. Assim como você não precisa ser o primeiro a falar. Então, sair daquele lugar de imediatismo, de emergência, que traz tanta ansiedade, é o que eu sinto que tem sido a grande conquista em todos os grupos e o que vem permitindo que as coisas aconteçam de uma forma fluida para que o tempo de aprendizagem na escola seja gostoso, para que não seja só aquela escola de compromissos e horários. É claro que isso sempre vai existir, dentro e fora da escola, mas é importante que eles consigam lidar melhor com isso. Eu fico muito contente em falar sobre mindfulness e sou muito grata à escola por ter nos apresentado esta preciosa ferramenta”.