Entrevista: Professora Mafu fala sobre seu livro “Mesma nova história”

Uma avó que está começando a perder a memória… E um menino que só quer saber de jogar jogos eletrônicos… O que poderá florescer deste encontro? E o que podemos encontrar quando vasculhamos, à fundo, o nosso velho armário de memórias? É para onde nos leva o sensível livro “Mesma Nova História”, da nossa querida professora Mafuane Oliveira.

Nós, da be.Living, ficamos muito contentes com essa realização da Mafu e apresentaremos seu livro, com muita alegria, durante as próximas semanas, para as nossas crianças e para toda a nossa comunidade. Vai ter leitura especial para as turmas, trechos do livro em nosso Instagram e o stand “Mesma Nova História” em nossa Art Fair. Ficamos muito felizes, também, porque o livro da Mafu entrou na lista de indicações literárias da Revista Crescer para o mês das crianças, principalmente por se tratar de uma revista que é referência em paternalidade.

Mas como será que surgiu a ideia dessa trama? Com qual propósito? Como é o processo de criação de um livro? Vamos descobrir, agora, conversando com a professora Mafu!

bL: Mafu, vamos começar pelo começo (rs). Por que o livro se chama “Mesma Nova História”? O que você quer comunicar com esse título?

Mafu: O livro se chama “Mesma Nova História” porque uma mesma história, ainda que contada várias vezes, pode ser sempre uma nova história, dependendo da forma como a escutamos e da forma como nós a recebemos.

bL: Como surgiu a ideia de trazer uma avó perdendo a memória e um neto que só pensa em jogar eletrônicos

Mafu: Essa história, em sua publicação final, nessa forma escrita que foi fixada em livro, é resultado da experimentação de 3 linguagens e tem 3 autores. A trama em si foi trazida pelo meu amigo Emerson Bertucci que, ao participar de uma oficina de escrita que trazia o desafio de utilizar no texto a palavra “morrer”, escreveu essa história super bonita da avó e do menino. Eu, como narradora de histórias, me apaixonei pelo conto dele e pedi para que eu pudesse contá-la. Nos meus recontos, a narrativa foi se modificando. As pessoas falam que “Quem conta um conto aumenta um ponto”, mas para nós que somos narradores de histórias e que temos isso como ofício profissional, não é que simplesmente vamos aumentando um ponto, vamos utilizando elementos para contar a história, que podem ser recursos externos – como musicalização, figurino, fantoche, dedoche, ou recursos internos – que eu, particularmente, considero muito mais importantes. Esses recursos internos são a modulação da voz, as minhas emoções e, principalmente, as minhas memórias que vão ajudando a dar vida para esse conto de uma outra maneira, trazendo outros elementos subjetivos. E daí veio o Juão Vaz, com a ilustração, adicionando uma outra narrativa, visual. O chão roxo da casa da avó, por exemplo, ele representou como sendo o próprio girassol, como se ela morasse dentro do girassol, gerando uma outra textualidade. 

bL: Ao trazer as suas memórias biográficas para dentro dessa história, você resgatou sua avó baiana que teve 20 filhos. Pode nos contar um pouco a respeito?

Mafu: No conto original, a quantidade de filhos não era essa. Era uma quantidade menor, mas já indicava um modelo familiar onde as famílias eram maiores do que os modelos que nós temos hoje. E a minha avó, de fato, é uma senhora que foi criada no ambiente rural e teve muitos filhos, sendo a minha mãe, a penúltima de 20. O que acontece é que no final da vida, a minha avó, já com mais de 90 anos, tinha, dos 20, apenas 5 filhos vivos. E ela sempre tinha muitas histórias para contar sobre essa família muito grandiosa e eu vou fazendo essa menção não somente a ela, mas a um arquétipo, na verdade, da velhice, dessa melhor idade, desse envelhecer e da importância de darmos escuta para essas pessoas. Então, tem um tanto de coisa que são elementos biográficos, mas tem um tanto de coisas que são, também, ficcionais. E os recontos são vivos. Muitos dos recontos dessa história eu realizei na be.Living. As crianças também contribuíram para que eu pudesse fazer o meu reconto escrito. Essa foi uma história que teve muitas finalidades pedagógicas: origem, ancestralidade, além de já ter sido narrada algumas vezes no Dia da Família. Eu sempre trabalhei com as crianças o esboço do livro. Antes de ter editora, eu fazia exercícios de narração de histórias para as crianças, falava para eles desenharem e daí eu mostrava para eles alguns desenhos do Juão e pedia para eles contraporem a versão escrita com a versão que eu havia contado. Assim, a gente foi construindo os recontos e percebendo essas nuances de quando a gente narra uma história oralmente e de quando ela está fixada numa textualidade impressa. A primeira vez que eu narrei essa história, artisticamente, foi em uma reunião pedagógica da be.Living, em 2013. Então, essa é uma história que faz parte da cultura literária da nossa escola.

bL: Qual a importância de abordar a relação de uma avó com início de perda de memória e um menino que só quer jogar vídeo game? O que o livro nos ensina com esse relacionamento?

Mafu: A abordagem desse livro, ou seja, o enredo que tem como fio condutor essa avó e esse menino chama atenção para o encontro de gerações. Sobretudo nesse momento em que estamos vivendo, de muita tecnologia, o que nos faz acreditar que estamos indo para um caminho de modernidade, mas que, muitas vezes, o que esses jogos eletrônicos, a internet, as facilidades trazem é um desgaste das relações e uma não compreensão dessas duas gerações. A intenção de abordar uma trama como essa, essas duas gerações, é valorizar e olhar com mais cuidado para duas categorias da sociedade que são pouco escutadas: as crianças, que muitas vezes têm seus direitos feridos, que muitas vezes não conseguem exercer o seu protagonismo em seu seio familiar ou na própria sociedade, e os mais velhos, com quem, muitas vezes, a família não tem paciência para ouvir ou não entende que o que os mais velhos estão contando, na verdade, é parte da nossa própria história e de uma memória coletiva. Além disso, em uma sociedade onde há um culto muito grande à produtividade, essas duas faixas etárias que – em geral, não estão no lugar da alta produtividade, acabam sendo excluídas. Não temos uma escuta, uma paciência para elas. Eu acho que esse livro pode ajudar, de alguma forma, a fortalecer vínculos e a valorizar a nossa ancestralidade.

b.L: O livro é, de certa forma, uma homenagem aos nossos ancestrais e à arte de contar histórias?

Mafu: Sim. O livro é uma homenagem aos nossos ancestrais e é uma verdadeira declaração de amor à arte de contar histórias. Sobretudo, à arte de ouvir histórias. Hoje em dia, nós temos muitos cursos de oratória, estamos o tempo inteiro postando nas redes sociais, estamos querendo falar bastante, mas nós nunca nos preocupamos em fazer um curso de escuta, por exemplo. De escuta sensível, de escuta ativa. Eu acho que esses são valores que a gente pode transmitir para as crianças: da escuta afetiva, com relação a elas próprias, mas também com relação aos mais velhos, de como podemos nos conectar com nossos ancestrais, chegando a um sentimento sincero de gratidão, pois se não fossem os nossos avós, os nosso bisos, nós não estaríamos aqui. Nós somos continuidade, sempre, de um legado e representamos sempre esse sonho dos nossos ancestrais. Este livro é sobre isso. Não é sobre uma narrativa, uma homenagem individual a minha linhagem familiar, mas uma homenagem à todas as nossas linhagens ancestrais e que cada um possa despertar essa consciência e curiosidade de saber um pouquinho mais sobre sua história e sua genealogia, principalmente com relação aos valores recebidos, para além da questão apenas genética. 

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