Como seguir as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) para impedir a disseminação do coronavírus quando se vive na favela do Kibera, no Quênia, onde, além de superlotação, não se tem acesso à algo tão fundamental como a água?
A reflexão acima – trazida por uma reportagem publicada no site da Organização das Nações Unidas, chegou até as crianças do Year 4 logo que o isolamento social começou. Na ocasião, elas estavam estudando a substância água em Ciências Naturais e a matéria da ONU veio para trazer o estudo para mais perto da realidade e, também, para ampliar o olhar sobre os desafios que a humanidade vem enfrentando com a pandemia.
A professora Luciana, que trouxe a reportagem para as crianças, conta que seu trabalho se desenvolve sempre com o suporte de textos, matérias e artigos, buscando olhar para o que está próximo do cotidiano. “A gente tenta, ao máximo, aproximar o conteúdo do que estamos vivendo para que as crianças possam se relacionar melhor com os objetos de estudo e para que esta aprendizagem seja o mais significativa possível. Então, no meio de uma pandemia, se estamos falando das substâncias de Ciências Naturais, nada mais significativo do que trazer este estudo para o contexto que estamos vivendo”.
Ela diz que um pouco antes do isolamento chegar, eles já estavam trabalhando a substância água a partir de um artigo do jornal britânico The Independent, que revelava a quantidade de água utilizada para produzir um aparelho celular, uma peça de roupa e outros bens de consumo. “Então, com a pandemia, acrescentei o estudo desta reportagem sobre as pessoas que moravam na favela sem água encanada, tendo que buscar a água longe e, ainda assim, seguir as orientações da OMS e o que estava sendo feito para minimizar essa situação. Em paralelo, a professora Ida estava trabalhando saneamento no Brasil e pudemos discutir com as crianças sobre outros lugares onde não se tem acesso à água. Daí, ainda com o gancho da Covid-19, fomos para o sabão, porque a próxima substância a ser estudada era a gordura. Compartilhei um vídeo sobre a história do sabão que mostra que, a partir da guerra, a Alemanha começou a fazer sabão sintético derivado de petróleo ao invés de usar produtos de origem natural. Isso já trouxe o gancho para entrar no estudo do petróleo. Tudo em volta do Covid, afinal, tem petróleo em produtos como álcool gel e hidratantes”.
Assim, naturalmente, um processo de adaptação curricular foi acontecendo com todas as turmas, aproximando muitos conteúdos do contexto de pandemia global que estamos vivendo.
No Year 2, por exemplo, os pequenos têm manifestado interesse especial pelos microorganismos, que é para onde os estudos de Ciências Naturais estão sendo mais direcionados neste momento. A professora Priscila explica que além de estudar os vírus, ela está focando, também, nas bactérias e nos fungos. “Algumas crianças ficaram interessadas em microorganismos que causam mal para a gente. Descobriram também, que para fazer pão precisa de microorganismo. Esse caminho foi se desenhando durante o ensino não presencial. Tínhamos muita coisa planejada, mas agora estamos fazendo diferente. Em comparação com os outros anos, as crianças tiveram um interesse muito maior por esse tema”.
Ela explica que no caso dos pequenos a abordagem sobre o Covid é mais sutil, não enfocando nos problemas causados pelo vírus ou nas mortes. O assunto tem sido trazido através de estudos como o do Covid em animais ou de notícias como do famoso quadro “O Grito”, do pintor norueguês Edvard Munch, que estava se deteriorando devido à exposição à respiração humana e que, com a quarentena, ganhou alguns anos de vida, de acordo com os cientistas.
No Year 5 não estava programado estudar o sistema respiratório neste momento, como conta a professora Letícia. “Nosso livro do corpo humano tem muitos sistemas a serem estudados e achamos que faria mais sentido trabalhar o sistema respiratório, que não seria a escolha antes da pandemia. Assim, as crianças puderam pensar sobre o que acontece dentro do nosso corpo e entender como o Covid atua”. A pandemia também foi o fator motivador que culminou no trabalho “Dicionário de Sentimentos” pois no isolamento as crianças tiveram que lidar com sentimentos e emoções muito conflitantes de forma solitária, sem os amigos e sem o convívio social. “Sempre oferecemos na be.Living um espaço para as crianças falarem sobre as questões delas, mas isto está acontecendo em formatos específicos, por meio de atividades como esta, por causa do Covid”. Letícia conta, ainda, que as crianças estão interessadas em pensar sobre protocolo de volta à escola, taxa de isolamento, curvas e índices de aumento ou achatamento da doença. “Faremos um telejornal agora. As pautas que eles escolhem têm a ver com o que está acontecendo. Não somente sobre pacientes e a doença em si, mas dando dicas de livros, falando sobre sonhos na quarentena… de forma que o que eles querem comunicar para a comunidade acaba passando pela pandemia”.
Ela lembra que algo curioso aconteceu com relação ao estudo de patrimônio histórico. “A ideia era olhar para fora da escola. Daí, de repente, começamos a olhar para dentro. Foi quando aconteceu o podcast em que os alunos fizeram o exercício de pensar sobre quais seriam patrimônios imateriais da be.Living”. Letícia diz que o trabalho de olhar para a cidade, de andar por ela de transporte público, foi feito, mas neste contexto, pelo Google Street View.
Para a professora Flavia, também do Year 5, a quarentena levou o currículo para dar um salto grande principalmente com relação à exigência de autonomia das crianças. “Ganhos que seriam perceptíveis mais para o fim do ano, precisaram ser estimulados agora. Foi um grande desafio, mas já estamos colhendo os frutos disso. As crianças ganharam muita autonomia”. Segundo a professora, o ensino digital exige muito mais organização por parte das crianças em comparação ao ensino presencial. “Estes avanços precisam ser ressaltados, como o de ter sido capaz de criar uma rotina de estudo num ambiente que normalmente está associado ao lazer. Acredito que quando as crianças voltarem da quarentena, muitos de seus novos hábitos terão continuidade e pode ser que levem mais a sério o momento de lição de casa e passem a ter um hábito de estudo que vai além do que a escola demanda”.