Art Fair 2024: Ubuntu – a arte da interconexão e do cuidado com o outro e com o mundo

A Art Fair – exposição anual de artes da Educação Infantil da be.Living, foi inspirada, este ano, pelo tema Ubuntu, uma filosofia africana que celebra a interdependência, o respeito e a generosidade entre as pessoas. Claudia Mariuzzo, assessora de arte de nossa escola, compartilha nesta entrevista o processo de criação da exposição e a forma como o tema foi trabalhado com as crianças pequenas, descrevendo o impacto de valores como solidariedade e coletividade nas atividades artísticas. Nesta conversa, Claudia revela como a arte pode ser uma poderosa ferramenta de aprendizagem e conexão, expandindo percepções e vivências em relação ao outro e ao mundo.

be.Living: O tema da Art Fair 2024 foi Ubuntu, uma filosofia rica em significados como solidariedade, generosidade e interconexão. Como surgiu a ideia de escolher esse tema para a exposição de Artes da Educação Infantil e o que foi esperado que as crianças pudessem compreender e expressar ao trabalhar com ele?

Cláudia Mariuzzo: A arte mostra-se presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos. Sem dúvida, ela pode ser considerada uma necessidade de expressão do ser humano, surgindo como fruto da relação entre as pessoas e o mundo. Por meio da arte, a humanidade expressa suas necessidades, crenças, desejos e sonhos. E assim, também as crianças começam a construir suas histórias. Este ano, especialmente, a intenção era criar e estabelecer intersecções entre a natureza, sua biodiversidade e sustentabilidade, e a nossa relação com o meio ambiente. O tema foi se moldando ao longo do ano entre as duas unidades da be.Living, onde a ideia se juntou com a filosofia Ubuntu, que traz valores humanísticos como solidariedade, generosidade, respeito e acolhimento. É um chamado para o bem-estar comum, lembrando que o ser humano é, de fato, um reflexo do outro e do meio. A nossa ideia era que as crianças pudessem carregar essa experiência como uma semente que cresça e reverbere ao longo de suas vidas.

be.Living: Ubuntu pode parecer um conceito complexo, especialmente para crianças tão pequenas. Como foi possível tornar este tema acessível e ao mesmo tempo significativo para crianças de 2 a 5 anos de idade? Que estratégias e linguagens são utilizadas para facilitar essa compreensão em cada faixa etária?

Claudia Mariuzzo: A arte, assim como outras áreas do conhecimento, permeia o dia a dia das crianças. Com diversas linguagens do universo infantil, acontece um processo de descobrir formas e detalhes, alinhando a atenção à construção de um pensamento mais organizado e crítico para a expressão de ideias. Utilizamos referências artísticas e o poder da imagem para provocar o olhar e criar relações com o repertório das crianças. Ao perceber o que as imagens comunicam, a criança desperta sua curiosidade e constrói a experiência estética. Tanto as palavras, quanto os objetos e as imagens podem ser utilizados para representar ideias, sentimentos e emoções. O conhecimento pela arte amplia nosso olhar, mobiliza nossa percepção, nos encanta, nos faz pensar, agir e, consequentemente, criar, quando o ambiente é propício. Para introduzir a filosofia Ubuntu para as crianças, professoras e professores tiveram acesso a uma série de vídeos e textos como forma de inspiração para apresentar o tema de maneira lúdica para as turmas. Como já estávamos trabalhando esses conceitos desde o início do ano, já havia todo um percurso para consolidar o Ubuntu como tema da Art Fair. Para citar um exemplo de como o tema foi trabalhado, trouxemos esta história para ilustrar o conceito: “Um antropólogo propôs uma brincadeira para algumas crianças de uma tribo africana. Colocou um cesto de frutas perto de uma árvore e explicou que quem chegasse primeiro ficaria com elas. Quando deu o sinal, todas as crianças deram as mãos, correram juntas e, ao chegar, sentaram-se para compartilhar as frutas. Quando perguntaram por que elas decidiram correr juntas, responderam: ‘Ubuntu! Como poderia uma ser feliz enquanto todas as outras estivessem tristes?’ Ubuntu, na cultura africana, significa: ‘Eu sou, porque nós somos’.”

be.Living: Cada faixa etária tem diferentes possibilidades de expressão e entendimento. Quais aspectos do tema Ubuntu foram enfatizados para as crianças mais novas em comparação com as mais velhas, e como eles foram desenvolvidos nas atividades artísticas?

Claudia Mariuzzo: Como o trabalho de arte começa no início do ano, cada grupo já estava envolvido com temas como sustentabilidade, coletividade e empatia. Para os mais novos, como no caso do grupo Yellow Orange, focamos em materiais orgânicos e naturais, como pigmentos naturais, e exploramos os cinco sentidos, pois eles são mais ligados ao corpo. As turmas do Green já estavam atentas ao descarte e à reutilização de materiais, enquanto as do Reds foram inspiradas como guardiãs da floresta, desenvolvendo uma percepção mais externa. Já as crianças mais velhas, do Blue, usando referências da arte urbana, focaram na memória, no espaço e em palavras gentis, como as ações do Poeta Gentileza nas ruas do Rio de Janeiro. Cada criação, desde a mais simples à mais elaborada, representa um universo próprio de sentimentos e pensamentos, refletindo a vida interior e afetiva de cada criança.

be.Living: Além do conceito filosófico, há também uma parte técnica e estética no trabalho de arte com as crianças. Como são escolhidas as técnicas e os materiais artísticos que melhor se adequam para explorar o tema Ubuntu em cada faixa etária, incentivando a expressão artística e respeitando suas habilidades motoras e cognitivas?

Claudia Mariuzzo: Na parte técnica, seguimos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento definidos pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular), utilizando códigos da linguagem artística como desenho, pintura, modelagem e colagem. Planejamos explorações e experiências que articulam elementos formais da arte e suas especificidades, como linha, cor, plano, volume, textura, corpo, gesto, voz e texto.

be.Living: A arte, como você mencionou no texto da exposição, é um espelho de quem somos e de como percebemos o mundo. Como percebe que as crianças reagiram e se conectaram ao tema Ubuntu durante o processo criativo? Há algum momento ou trabalho que tenha te tocado particularmente nessa jornada?

Claudia Mariuzzo: A partir do momento em que vivenciam o conceito de forma natural e não imposta, as crianças vão se apropriando dele de maneira única. Pude ver isso na exposição, onde elas expressavam o que aprenderam com clareza. Por exemplo, os grupos de Yellow Orange criaram símbolos para indicar “não tocar” nas obras, algo que muitos adultos desejam fazer, mas que elas entenderam que poderia estragar o trabalho de todos. As crianças do Green mostraram como é possível transformar uma simples sacola de papelão em arte, trazendo novas formas e cores, enquanto as do Blue se concentraram em cuidar da cidade com intervenções artísticas, criando beleza, cor e gentileza. Ver toda essa criatividade e essa sensibilidade foi muito tocante.

be.Living: Por fim, qual o impacto que você acredita que essa exposição e o tema Ubuntu teve na comunidade escolar? Como você vê a arte colaborando para fortalecer o senso de coletividade e de cuidado com o outro, tão importante nessa filosofia?

Claudia Mariuzzo: A escola, como a be.Living acredita, é um espaço privilegiado para vivências significativas envolvendo toda a comunidade escolar, proporcionando um processo de formação em Arte que provoca reflexões e causa encantamento em todos. Fazemos isso acontecer para as crianças, famílias, e também, para equipe pedagógica, funcionárias e funcionários da escola. Antes da montagem da Art Fair, por exemplo, realizamos uma dinâmica com equipe pedagógica, de apoio e administrativa para provocar, de uma maneira poética, a forma como olhamos uns para os outros em nossa comunidade escolar. Foi o nosso “momento Ubuntu”, em que entregamos uma tabela com o nome de todas as pessoas que trabalham na escola, pedindo para que cada uma delas completasse a seguinte frase com um único adjetivo: “Eu sou porque nós somos, e com você eu aprendo a ser…”. No dia seguinte, devolvemos para cada pessoa o que os outros tinham aprendido com ela. Foi um momento único e emocionante para todas e todos, que, assim como as crianças, também puderam se sentir representados.

É importante se reconhecer, perceber a emoção e o encantamento que a arte nos provoca. Tudo o que fazemos reflete quem somos, e esse processo de reconhecimento é contínuo e gradual, exigindo prática constante. Assim, vivenciamos o espírito de Ubuntu, que ficará para sempre aqui na be.Living!

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