Olhar para os povos indígenas a partir de uma nova compreensão. Aprender a enxergar as suas grandezas, pluralidades e riquezas, transcendendo os limites do estereótipo. E sobretudo, semear o respeito por tantas sabedorias e por uma imensa capacidade de resistência.
Assim, as crianças do Year 3, vem entrando em contato com a realidade dos povos indígenas brasileiros, buscando compreender, com profundidade, o que de fato significa ser indígena. São centenas de povos distintos, com diversas formas de organização social e aspectos específicos que dizem respeito à cada etnia. Há uma complexidade com relação aos índios ainda por ser percebida por nossa sociedade e é fundamental que a escola possa favorecer esta percepção.
“No Year 3, focamos a aprendizagem nos modos de vida em diferentes tempos para que as crianças consigam perceber as diversas formas de organização que a humanidade desenvolveu ao longo dos anos. Olhar para os povos nativos brasileiros é responsabilidade da escola – garantida, inclusive, por lei – para que possamos buscar um processo de descolonização da nossa história. Nossa ideia é retirar os estereótipos que estes povos carregam na nossa cultura, mostrando para as crianças a diversidade de tipos de vida de cada povo, bem como sua luta por sobrevivência e terra” – explica Gabriela Fernandes, coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental da be.Living.
Ela conta que, este ano, o gancho para desenvolver este trabalho foi a pandemia e o modo como o Covid-19 atingiu os povos nativos. A partir disso, iniciou-se um estudo sobre quem são essas comunidades e povos, aonde eles estão localizados e quais são os seus hábitos e costumes.
A professora Michelle Ristow, responsável pelo projeto este ano, explica que a pandemia é muito delicada para os povos indígenas pois há neles um senso de coletividade muito grande, presente desde a alimentação até outros aspectos do viver. “Analisando e refletindo sobre como eles foram afetados pela pandemia, pudemos abordar alguns subtemas como, por exemplo, a localização destes povos, e as crianças puderam perceber que os indígenas não estão localizados somente nas florestas, mas em todos os estados brasileiros, inclusive, nas cidades”.
O objetivo do projeto, segundo Michelle, é trazer para as crianças a percepção de como esta cultura própria que os povos indígenas carregam é vasta, tomando conhecimento de que os índios não são um só um povo, mas diversas etnias, com mais de 150 línguas e culturas distintas. “A intenção é ampliar o repertório das crianças para muito além desta coisa que foi estigmatizada de que o índio é alguém que usa um cocar e faz um barulhinho com a mão na boca. Isso não tem nada a ver com a riqueza cultural dos povos indígenas. E há uma contextualização super importante a ser feita. Antes da ocupação de Cabral alguém já estava aqui. Após a ocupação de Cabral algo muito forte aconteceu com estes povos. A gente precisa reconhecer e legitimar tanto o território como a existência dos povos ameríndios, que são os povos originários da América, conhecer e entender essa história como a nossa história, viva e real”.
Explorar o universo dos indígenas, por meio de leituras, do audiovisual, da arte e da contação de histórias, tem sido de muitas descobertas e despertado bastante reflexão e curiosidade em meninos e meninas do Year 3. Das brincadeiras, jogos e competições, aos mitos e tipos de casa, um outro mundo vem sendo revelado para enriquecer o mundo que a criança já conhece. “É muito enriquecedor poder entrar em contato, por exemplo, com a medicina tradicional indígena e com a possibilidade de que toda a sabedoria desta ciência poderia ser estudada pela medicina tradicional do Ocidente, sendo aproveitada também por nossa sociedade. Estamos olhando especificamente para os costumes tradicionais destes povos e, ao invés de julgar, refletindo sobre o que poderíamos aprender com eles”.
A professora conta um momento muito bacana que aconteceu durante uma live, que é onde as crianças têm a oportunidade de compartilhar com todos suas percepções e aprendizagens sobre aquilo que está sendo abordado no projeto. “Foi muito interessante quando passei para eles alguns vídeos que abordam as brincadeiras indígenas e, nestes vídeos, muitos índios estavam nus, com um adereço ou outro para cobrir as partes íntimas mas, sim, diferente de nós, estavam nus. E uma das crianças, no início da live, comentou que tinha sentido ‘nojo daquilo’, que para ela havia sido muito chocante e nós, toda a turma, conversamos sobre isso ao longo da live. No final, a mesma criança fez questão de salientar que realmente não achava legal ficar nu mas que conseguia entender, agora, que aquela era a cultura daquele povo, que as culturas são diferentes e que a gente não deve ter preconceito. Foi muito legal ver a desconstrução desta fala num mesmo encontro de zoom. Então, esse projeto busca trazer este outro olhar, sair do nosso quadrado e olhar para o outro com respeito, compreendendo o lugar do outro como alguém que tem uma cultura distinta da minha mas que também pode agregar e com quem posso aprender e, sobretudo, que preciso respeitar”.
Michelle diz que sente que esta aprendizagem do respeito e do abrir-se para olhar para o outro de uma maneira ampla e sem julgamentos vem aumentando a cada semana dentro de cada criança. “Teve um menino que falou que os índios são ‘as pessoas mais raízes do mundo’ porque vivem na floresta e vivem com a vida. Que a gente possa olhar para essas pessoas, cada vez mais, como seres que resistem e que, de fato, têm muito a ensinar para nós”.