A escola é um espaço de coletividade, onde as crianças estão inseridas num contexto em que tudo o que elas fazem e aprendem envolvem uma parceria e uma responsabilidade para com o outro. Todos os aprendizados e experiências que acontecem dentro do ambiente escolar, mesmo as mais particulares, passam pelo processo de estar junto. E é assim, dentro do coletivo, que acontece, também, a aprendizagem musical. Seja inserida numa banda, numa roda de dança ou canto, brincando ou jogando, a criança aprende a sentir e a fazer música desenvolvendo a percepção de que ela é uma parte de um todo maior, assim como um instrumento que compõe uma grande orquestra.
Amanda Ribeiro, professora de música do Ensino Fundamental, explica que a proposta de aprendizagem da música na be.Living é diferente do que geralmente propõe uma escola de música, onde o principal foco seria aprender a tocar um instrumento musical. “Nossa proposta não é formar instrumentistas, mas crianças que sejam sensíveis à música e todos os tipos de manifestações artístico musicais, de diversas partes do mundo, culturas e épocas, para que elas possam olhar e reconhecer a humanidade através desta expressão da arte”.
Ela afirma que o fazer musical, no entanto, não é menos importante. Além de repertoriar as crianças, o objetivo da aprendizagem é, também, trazer a música para o campo da experiência para que elas sintam, por meio da vivência, estas diferentes sonoridades. “Não nos atemos somente ao estudo, ao escutar e conversar sobre os movimentos musicais. Buscamos levar o aprendizado para o campo prático, para o corpo da criança, para a voz dela, para o tocar e experimentar uma gama muito grande e diversa de instrumentos, oriundos de diferentes culturas: africana, dos povos nativos tradicionais do Brasil, da América do Sul, entre outros. Mas sempre o fazer musical se dá em conjunto, no coletivo. Ao mesmo tempo em que a criança tem sim que aprender e entender como tocar aquele instrumento, ou aquela melodia e ritmo, treinando e repetindo várias vezes, ela entende que está junto com os outros e que os outros estão tocando com ela. Por isso, ela aprende a ouvir o outro. Às vezes, ela percebe que tem mais que ouvir do que tocar, porque para que ela consiga tocar no coletivo, ela tem que, principalmente, escutar o outro”.
Com a pandemia, a professora Amanda e as crianças tiveram que lidar com um grande desafio: como fazer música da forma como faziam na escola – que era um fazer coletivo e tão diverso, quando de repente todos ficaram separados, cada um em suas casas?
A primeira questão a ser pensada foi com relação aos instrumentos. Na escola, há uma grande variedade de instrumentos disponíveis, tanto de percussão como melódicos. Para garantir uma experiência rica e possível com relação aos instrumentos, a professora iniciou uma investigação: que objetos comuns, que todo mundo tem em casa, podem gerar sonoridade musical. “Este é um conteúdo específico que eu trabalho com o 4º. ano, que é o fazer musical não convencional, inspirado em artistas como Hermeto Pascoal e Stomp, que fazem músicas com objetos. Com a pandemia, eu trouxe este conteúdo para todas as turmas, batucando nos objetos que a gente tem em casa ou construindo instrumentos musicais a partir destes objetos. Feito isso, pudemos partir para a aprendizagem de ritmos, músicas e melodias, pois eles já tinham um suporte onde tocar, experimentar e onde pudessem fazer música”.
A segunda questão foi a coletividade. “Me deparei com um grande problema: as plataformas de videoconferência, como Zoom e Google Meeting, que funcionam tão bem para outras áreas de aprendizagem, foram um pouco frustrantes para a Música. Devido ao delay, é absolutamente impossível fazer música junto. Por um lado, experimentamos e sentimos como ficou tudo bagunçado e desencontrado. Foram experimentações interessantes. Pudemos ver como é tocar sem estar exatamente no mesmo pulso do outro, como isso gera um outro tipo de sonoridade com a qual não estamos acostumados, mas que não deixa de ser uma possibilidade musical também”.
Outro aspecto interessante possibilitado pelo ensino nas plataformas digitais, foi a possibilidade de saber um pouquinho mais sobre o universo da casa da criança, um espaço que muitas vezes tem instrumentos que não se têm na escola, e onde se vive a música de forma particular. “As crianças compartilharam suas casas, os instrumentos que têm ou o que os pais tocam. Vimos teclado, piano, bateria, bateria eletrônica, banjo, sanfona, guitarra… Uma gama de possibilidades se abriu quando pudemos conhecer o universo musical e cultural que habita a casa da criança. Pudemos explorar o repertório que cada família tem. Mas quando a gente levou isso para o Zoom, foi muito difícil porque na hora que a criança ia tocar o seu instrumento o Zoom cortava o som. Isso porque existe um mecanismo que quando acontece um som forte, que não seja o da voz, ele está programado para cortar ou abafar. É uma forma de evitar que ruídos como latidos de cães e demais barulhos atrapalhem as conferências. Então, eu acabei entendendo que essas plataformas não eram mesmo as ferramentas adequadas para o nosso fazer musical. E sempre nos acompanhou aquela ânsia de querer cantar uma música junto. Foi então, que surgiu a ideia da produção dos videoclipes”.
Inspirada por tantos vídeos bacanas que surgiram no isolamento, onde bandas e músicos encontraram um jeito de fazer música junto, a professora encontrou uma solução para realizar a experiência da música no coletivo. “A lógica do clipe é a mesma com que se grava uma música em estúdio, com a diferença que ao invés de gravar o áudio se faz um filme. Um primeiro músico grava uma base da música e manda para os outros que, cada qual com seu fone de ouvido, escutando a gravação, toca seu instrumento ou canta em cima daquela base. Depois, junta-se tudo. E foi assim, que fizemos os nossos”.
A professora conta que, para cada videoclipe, fez questão de gravar pelo menos 3 bases dela cantando e tocando, assim, as crianças poderiam se sentir mais seguras e menos solitárias na hora de gravar sua parte. “No vídeo tem sempre 3 Amandas, uma tocando violão, outra tocando percussão, outra cantando. Para algumas crianças pode ser triste cantar junto com todos porque elas querem muito mostrar a voz delas, mas para a maioria das crianças, cantar junto é um lugar de conforto e segurança. Muitas crianças me falaram que se sentiram bem porque tinham várias Amandas cantando junto com elas. Houve alguns casos de crianças que realmente não conseguiram gravar, que se sentiram muito sozinhas e intimidadas pela câmera. O que é muito compreensível pois, realmente, é um grande desafio fazer qualquer coisa na frente de uma câmera, por mais que, com a pandemia, esteja acontecendo um movimento de superexposição às telas, tanto de assistir como de estar à frente delas. Algumas crianças se sentem muito à vontade, para outras, é um desafio maior. Mas quando a gente juntou todo mundo num vídeo só, foi muito legal e gratificante. Todos adoraram se ver no seu quadradinho e ver os outros nos outros quadradinhos, cantando a mesma música, juntos!”.
Além dos videoclipes, que ressignificaram e deram novo sentido para o desafio de fazer música coletivamente, outra importante conquista deste período foi o envolvimento das famílias na aprendizagem musical. “Tenho feito muitas brincadeiras, desafios e alguns jogos rítmicos, de coordenação motora, e as crianças tem me devolvido vários vídeos delas brincando, jogando, tocando e cantando com os pais. Então, conseguimos levar esta concepção de aprendizagem da música, que é o de sensibilizar e musicalizar, para o contexto da casa da criança e para a família dela”.
Amanda nos lembra que a música tem sido uma grande amiga no tempo da quarentena. “Quando a turma enfrenta algum desafio ou entrave, sempre sugerimos uma música que ajude no enfrentamento da questão. Ou é uma música para aquecer o coração, para levar a tristeza para longe, para a gente se mexer e dançar quando estamos cansados de ficar em casa, na frente do computador. Estamos usando a música em suas diferentes funções sociais neste momento, para apresentar conteúdos, para falar de uma época, de fatos, sentimentos, de política ou de movimentos sociais. De uma maneira muito sensível, a música consegue abraçar muitos contextos e eu, como professora de música, me sinto muito privilegiada por trabalhar com essa ferramenta capaz de aproximar e transpor barreiras”.
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