A música na be.Living

Todos os aprendizados e experiências que acontecem na be.Living, mesmo as mais particulares, passam pelo processo de estar junto. E é assim, dentro do coletivo, que acontece, também, a aprendizagem musical das crianças. Assim como um instrumento compõe uma grande orquestra, cada criança aprende a sentir e a fazer música desenvolvendo a percepção de que ela é parte de algo maior. Para aprofundar o entendimento de como a aprendizagem musical acontece em nossa escola, entrevistamos Amanda Ribeiro, professora de música do Ensino Fundamental da be.Living. Confira!

b.L: Qual a importância da música para o desenvolvimento de uma criança?

Amanda: Por meio da música, a criança pode se desenvolver em diversos aspectos. A música ajuda muito a desenvolver e a organizar a parte sensorial, motora e física das crianças, com a prática de instrumentos, a aquisição de pulso, o ritmo. Ela também ajuda no aspecto cognitivo, na percepção dos sons e do quanto a nossa mente consegue fazer relação entre sons. Há, ainda, a questão cultural e histórica. A música tem a ver com o ser humano, com ser gente. Todos os povos, todas as pessoas de todas as culturas, fizeram e fazem música. A música é algo universal, da condição humana. Quando praticamos a música, entramos em contato com essa capacidade, com essa habilidade e, também, com essa história que é tão antiga quanto o ser humano. Nas aulas de música da be.living, especificamente,  fazemos questão de trazer esta dimensão cultural e histórica para que possamos valorizar a diversidade humana. Trabalhamos com música, ritmos e repertórios de vários povos, de diversas partes do mundo e de diferentes épocas também. Essa dimensão de pertencimento é muito importante: compreender, por meio da música, que pertencemos a uma cultura, que somos herdeiros de uma história, e que também existem outras histórias e outras linhagens culturais das quais não pertencemos mas que podemos conhecer, valorizar e com as quais podemos aprender muito.  

b.L: Qual o objetivo das aulas de música na be.Living?

Amanda: Um dos objetivos é justamente o de conhecer diferentes culturas por meio da música. Outra dimensão do trabalho é com a música em si, com os elementos musicais: pulso, ritmo, melodia, harmonia, altura, afinação, arranjo. E tem, também, o objetivo de sermos um coletivo por meio da música. Aqui na be.Living, fazemos muitas coisas juntos, como comunidade, como um grupo de crianças. Não trabalhamos com instrumentos solos como violão e piano, mas com instrumentos que possam ser tocados coletivamente e com os quais possamos fazer uma banda, uma mini orquestra, um pequeno grupo. Buscamos criar essa dimensão da convivência, do fazer musical coletivo. Entendemos que tanto quanto saber tocar, precisamos saber ouvir. Assim, não basta que a criança saiba tocar um instrumento, ela precisa conseguir tocar o que ela sabe junto com os outros. Para isso, precisamos desenvolver habilidades de escuta e disponibilidade para o outro, aprendendo a pulsar junto. É comum aparecerem situações de competitividade nas aulas de música. Nossa sociedade alimenta muito a performance, aquela história do músico que consegue tocar com a guitarra nas costas, só para dar um exemplo. E as crianças têm muito acesso a esse tipo de conteúdo e de postura. Então, um dos nossos objetivos aqui nas aulas de música na be.Living também é desconstruir essa necessidade de fazer performance, este estereótipo de super músico que, na verdade, muitas vezes, é incapaz de tocar junto. Este objetivo da coletividade é muito importante e reverbera e dialoga com o todo o trabalho educacional que a escola realiza. Aqui, todos os professores, em suas diferentes áreas de atuação, prezam sempre por esta coletividade.

b.L: Muitas vezes associamos a aprendizagem musical com a prerrogativa de que se tenha algum tipo de talento especial para isso. Mas a música na escola é para todas as crianças. Como você trabalha esta questão da habilidade e do próprio interesse particular que cada criança possa ter ou não em relação à música?

Amanda: Realmente existem crianças e pessoas que têm facilidade, uma pré-disposição para se relacionar com algumas áreas específicas do conhecimento. Mas isso não quer dizer que crianças que não tenham facilidade de entendimento dos elementos da música, não possam desenvolver isso. O que acontece é que algumas crianças têm facilidade e outras têm um pouco mais de dificuldade. Justamente por isso, trabalhamos com diferentes formas de ensino-aprendizagem. Quando estamos trabalhando um ritmo, por exemplo, primeiro eu toco esse ritmo para eles. Eu privilegio a forma sonora de se ensinar música, proporcionando para eles, primeiramente, a escuta. Depois, eu passo este ritmo para uma forma vocal. Então, usamos a própria voz para simular, para imitar este ritmo. Em um terceiro momento, vamos para uma forma visual de aprender, começando a grafar este ritmo. Junto com as crianças, pensamos na forma que facilitará o entendimento deste ritmo desenhando os sons. E depois, vamos para uma forma mais matemática, contando quantos sons graves, médios e agudos têm naquele ritmo. Então, vamos passeando por essas diferentes formas de se aprender um ritmo. A criança que não conseguiu aprender ouvindo, pode aprender falando. Se ela não aprendeu falando, pode aprender por meio de uma forma gráfica. Se, ainda assim, ficou difícil para ela aprender, passamos para uma forma mais matemática. Em geral, depois que percorremos este caminho, com várias formas de acessar um mesmo conteúdo, todas as crianças conseguem aprender, entender e tocar aquilo que está sendo ensinado. O que eu busco é fazer com que as crianças que aprendem mais sonoramente também consigam racionalizar mais este aprendizado por meio da grafia ou da matemática, e com as crianças que só conseguem aprender quando começamos a contar os sons, trabalhamos para que elas possam ir se descolando desta contagem, abrindo outros canais de sensibilidade que dependam menos da racionalidade. São muitos perfis de crianças e muitos perfis de formas de aprender.  Valorizamos cada forma de aprender e procuramos expandir estes caminhos para que eles possam também acessar outras maneiras de aprender a música. Isso faz com que todas as crianças passem por este processo de musicalização, com que todas as crianças sejam mais musicais, para que a música não seja algo que dependa de talentos e habilidades especiais, mas que todo mundo possa fazer, viver e apreciar da sua forma e do seu jeito.

b.L: Até que ponto uma criança que teve uma educação musical na escola, pode ter isso como contribuição para sua formação como cidadão?

Amanda: Considero esta uma reflexão muito importante porque existe um mito, uma falsa ideia no imaginário das pessoas, de que o fato de estudar música tornará alguém especial. Não é verdade que, por estudar música, a pessoa será necessariamente boa cidadã. Como tudo na vida, dependerá de como o processo aconteceu. Uma pessoa pode estudar música, tornar-se um músico incrível do ponto de vista técnico, mas pode não ter valores democráticos, não valorizar a diversidade, ser uma pessoa extremamente rígida, controladora e musicalmente preconceituosa, alguém que não valoriza o fazer musical de outras culturas e que não reconhece outros tipos de pensamento musical diferentes dos que ela tem. A educação musical não pode ser uma educação para a música em si, mas precisa ser uma educação musical para as pessoas, para a sociedade e para o mundo. Se fazemos música e estudamos música de forma a hierarquizar culturas e fazeres musicais, estamos fazendo um desserviço para as crianças e para a sociedade. A educação musical precisa valorizar a diversidade e o fazer musical de todas as culturas e pessoas, fazendo de tudo para ampliar o repertório, a escuta e as vivências musicais, contribuindo para a formação cidadã dos nossos estudantes. Uma educação musical por si só, ausente destes valores, pode não ser necessariamente benéfica. É muito comum ouvirmos relatos de pessoas que estudaram música durante toda a vida e que foram traumatizadas por seus professores. Esta vivência e este estudo musical, dependendo de como acontecem, podem ser extremamente traumáticos. A pessoa é virtuosa, toca incrivelmente bem do ponto de vista de ter uma técnica apurada, mas não consegue ter uma relação de desfrute, de prazer e nem mesmo uma relação artística e sensível com a música, mantendo uma relação estritamente técnica, triste e difícil do ponto de vista individual e subjetivo com a música.

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